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Tesão e Coração fazem uma Revolução

Tamar, Socióloga; Formadora Comportamental e Educadora de Sexualidade Sagrada
 

O meu click não foi um click. Foi um relâmpago porque só um relâmpago traduz a sensação simultaneamente fulminante, reveladora, potente e maior-que-eu-mesma. E, quando assim é, a mudança que tanto se pedia, trabalhava para, desesperava por… vem. Em rigor, a minha não veio, fez-me vir. O raio que me penetrou bem lá no fundo iluminou o que, desde sempre, esteve lá - quem eu sou. E, se até aqui, tinha dúvidas quanto ao alinhamento entre o que fazia no mundo e quem eu era, com o raio veio a certeza de que não. Inundada por sensações, apenas uma frase, em jeito de gota, caiu-me desde o topo da cabeça: “já foste”. Seguiu-se a visão avassaladora de um caleidoscópio de imagens da vida que tinha escolhido, edificado, nutrido e, até, me envaidecido, porque segundo os cânones sociais era uma vida de sucesso e, da resistência a abandonar tudo isso, justo isso de que queria escapar e que, de repente, se tinha tornado passado no meu presente. Mas se está no presente, como largar? É só estúpido, mas tão humano, quando somos educados que viver é acumular, é não desistir, é não vacilar. E num mundo tão competitivo e neste Portugal pequeno de tamanho e de mentalidade, em que o factor “cunha” é determinante face a um percurso académico, foi sempre neste que me foquei, assim como na aquisição de experiência profissional diversificada; no alimento para a alma que são os hobbies e na amizade, porque enquanto filha única cedo aprendi que sozinha não era ninguém. A vida académica, sempre dedicada à Sociologia e à Gestão de Recursos Humanos, culminou na conclusão do 1º ano de um mestrado; os hobbies, entre desporto (ginástica desportiva, rítmica, aeróbica e natação), línguas estrangeiras, viagens de sonho, livros e narração de histórias, yoga do riso, dança, escrita, teatro e o mundo espiritual e energético (reiki, cura prânica, astrologia, yoga, entre outras práticas); a experiência profissional estendeu-se desde a venda de gelados, fazer inquéritos por questionário em bairros sociais, gravar em áudio livros na secção de invisuais da biblioteca nacional, barmaid e promotora de marcas em eventos, figurante, explicadora, técnica superior de recursos humanos, formadora, até ao cargo de direcção na área de formação e valorização de recursos humanos de uma câmara municipal, onde tinha entrado uns anos antes como estagiária. Bravo, diziam eles, que me conheciam. Oh-ohh, dizia eu que me conhecia. Como é que uma cadeira de cabedal preto sustentaria até à reforma um corpo e uma alma habituados a expressar-se através de vários canais e que, sem criatividade, inovação e horizontes ilimitados, cheios de entusiasmo e de paixão à sua volta, definham? Era a pergunta que eles não queriam fazer, porque me conheciam. Era a pergunta que eu tinha de cavar, para me salvar.

 

Estávamos em 2011, o ano em que, nada curiosamente, descobri o movimento do sagrado feminino, reconhecendo nele a chave para atravessar a porta da questão “a vida não é só isto (leia-se um estado de satisfação acomodada), há mais, há mais, mas o quê”? Ainda menos curiosamente, o 1º workshop em que me inscrevi na temática do sagrado feminino e da tradição da Deusa, tinha, sem eu saber, o sub-tema da sexualidade sagrada. Um marco fundamental no meu caminho, em que me reencontrei com a Amala Shakti Devi (que era a facilitadora desta formação), em que conheci um colectivo de mulheres ao principio estranhas (choram e falam tão intimamente das suas coisas, pensava eu, ali mais fechada e desconfiada, mas que rapidamente se me entranharam até hoje) e a (re)ligação à (minha) energia erótico-sexual. E esta energia é tão poderosa - afinal, é a energia da vida - que, se não tivermos medo, ela não nos larga mais. E desperta-nos, e motiva-nos, e cura-nos, e faz-nos brilhar e ver melhor e sentir e amar mais. Mergulhei fundo, aproveitando esta corrente fértil que veio sem eu planear, mas que tanto havia pedido. Mantendo a vida das 9 às 6h, revolucionando relações amorosas, destabilizando ligações familiares, amizades e, sobretudo, agitando dentro de mim poeiras sedimentadas, obsoletas, limitativas, através de um estado reflexivo e meditativo desconcertante e solitário e da frequência da primeira formação de longa duração em Portugal dedicada à sexualidade sagrada feminina, com certificação para aquelas que concluíssem e sentissem o apelo para fazer este trabalho. Foram os anos mais duros da minha vida. Se estou aqui para contar a história - feliz, já vocês antecipam - é porque fui corajosa? É porque sou forte? Talvez, mas não era assim que me sentia. Só ia fazendo a travessia pelas sucessivas portas que se iam revelando porque embalada e tão bem cuidada por uma força maior; porque num limbo que não dominava (aquele em que já não se consegue voltar atrás, à vida como a conhecíamos mas também, sozinhos não se consegue avançar, porque a vida que se parece estar a revelar é tão aparentemente desconhecida que se pensa que é ilusão); porque talvez de tão cansada de não ver o reflexo puro e limpo de mim na vida que mantinha, me ia entregando ao que, agora sei, ser o realmente determinante nestes processos de transição: os planos que a vida tem para nós; porque, em última análise, tinha de me salvar daquela cadeira onde ia definhar.
Qualquer formação relacionada com a energia feminina assenta nas premissas do enraízamento e da ligação ao coração. Então, estava também a ser treinada nesta mestria de largar o controlo (da mente) e encontrar a segurança no chão, na terra, para seguir a voz do coração, da intuição, celebrando com mulheres afins, cada passo novo. Estava a ser apresentada à verdadeira abundância da vida, através do trabalho com a energia sexual e a romper com a escassez entranhada quase que em cada gesto, em cada (não) decisão que tomei, escassez alimentada pelas crenças sociais de que só os mais fortes vencem, que só há amor verdadeiro para alguns, que só quem luta, consegue, que tens de gostar mais de mim do que dela e afins. E, claro, quase sempre não se acredita que nós somos essa minoria afortunada. Eu não acreditava e daí o medo, o pânico, o terror de largar o meu trabalho que era um emprego (funcionários públicos ainda hoje, apesar da reforma administrativa em curso, não podem ser despedidos).

Quando o raio me fulminou, em novembro de 2012, durante a cerimónia de consagração das mulheres certificadas enquanto “Filhas de Afrodite - Erotisas do amor e da sexualidade sagrada”, por tudo isto, e muito mais que não cabe em palavras, eu sabia que já tinha ido e que estava tudo bem. Vou começar do zero quase aos 40 anos? Está tudo bem. Ninguém me conhece, o meu nome não vale nada na praça. Está tudo bem. Não sei por onde começar, porque sempre estive ao abrigo de organizações. Está tudo bem. E os meus pais quando souberem que a sua rica filha (eternamente com 5 anos, aos seus olhos) vai trabalhar com vaginas, pénis e ânus? Está tudo bem. E dinheiro para pagar as contas, de uma vida em que não posso cortar muito mais, porque nunca foi opulenta? E se, mais tarde descubro que não era também por aqui ou me farto? E se não vou saber fazer bem? A sabotagem não parava e o tudo bem ficou rouco, mas não parou. Agora já não era só a força maior que embalava, era eu que sabia e que queria. Agora estava dentro de mim com tal intensidade que tinha de jorrar para fora, tinha de se partilhar. Agora já não era novidade eu ser tão mais pequena que o meu propósito.
Em setembro desse mesmo ano, dou à luz O Mel da Deusa - Sexualidade sagrada, projecto que se revelou como uma visão de potencial abrangente, cujo princípio seria o corpo e os circuitos da energia erótico-criativa, e ainda intangível em algumas áreas de actuação, mas muito concreto no que diz respeito à facilitação de círculos de mulheres, aos atendimentos de sexualidade sagrada para mulheres e à escrita, visando a reeducação e a sensibilização para uma sexualidade consciente e plena. Apresentei-o ao mundo através da página de facebook com o mesmo nome. Como qualquer criança ou semente que é cuidada e amada por pais ou educadores que se dispõem a aprender, e logo, a crescer com ela, O Mel da Deusa não parou de crescer e de me trazer das experiências mais enriquecedoras e honrosas da vida: conhecer intimamente as pessoas. Ser escolhida como repositório de histórias de vida que precisam de ser verbalizadas, acolhidas e curadas; como guia de corpos que precisam de ser amados e libertados; como mulher-companheira de riso, lágrimas, êxtase, dúvidas e esperanças cruas e autênticas; como parteira das almas que intuem que há mais que a tridimensionalidade terrena; como elemento de parcerias com pessoas que admiro, respeito e gosto tanto de estar; na minha própria autenticidade e humildade, ser inspiração e ombro e coração, faz-me saber na prática que não, não está tudo bem. Está melhor que nunca! No dia 1 de maio de 2015 deixei a rotina das 9 às 6h, trouxe tudo o que havia aprendido e invoquei todas as experiências e gostos aparentemente caóticos em diversidade e as peças foram-se encaixando. Sem dúvida, todas elas sustentam e alavancam a actividade com o Mel. Afinal, já havia feito isto a tantos trabalhadores, enquanto gestora de recursos humanos, que prazer fazer a mim própria!


E assim chegamos ao fim do princípio. Finalizo com uma suma em jeito de rapidinha e de abraço agradecido:


. A pista para um click profissional é aquilo que te caracteriza, fazes sem esforço e até sem percepção de que o fazes e de que as horas estão a passar;
. A única real preparação (ou certificação) que precisas garantir é que assumes e mostras quem és, de verdade. Para isso, terás de confiar que é isso que o mundo precisa: a tua perfeita imperfeição e não uma cassete que debita a suposta verdade de outros;

. Os melhores traços para um C.V. são a paixão e entusiasmo que pões no que fazes;
. Nunca se começa realmente do zero, quando já se acumulou experiência de vida e de saberes. Não raras vezes, somos convocados é a reciclar, a refinar as arestas de um diamante outrora encontrado em bruto;
. Quanto mais vives o teu sonho, mais haverá um preço a pagar (chama-se sacrifícios, embora goste mais de lhes chamar opções ou prioridades), aceita;
. Nos primeiros tempos, é importante teres um fundo monetário que te ampare, porque é natural que a retribuição pelo trabalho que pões lá fora, não retorne directamente proporcional (disto faz parte aguentar sem drenar muita energia um trabalho que te custa suportar, reduzir gastos aos mínimos, arranjar um part-time que pague as contas incontornáveis ou o investimento que a nova área requer);
. Depois dos primeiros tempos, e se tens apoios subsidiários e afins, atenta se estás efectivamente a convocar toda a tua energia realizadora para a consolidação do teu projecto ou se, porque a sombra da bananeira está confortável, amoleceste. É que assim, não há boa ideia nem missões de alma que se aguentem!
. Aceita o contínuo processo de dúvida de ti próprio e de insatisfação com o estado-das-coisas como ferramenta construtiva e impulsionadora de novos patamares de expressão do teu trabalho;
. Podes sempre fazer melhor, mas garantidamente, é mais importante fazer, porque só assim saberás como fazer melhor (diz-te uma perfeccionista-em-desmame-acelerado);
. Cuida de ti - física, emocional, mental e espiritualmente - em primeiro lugar. Cada trabalho é um serviço, é uma doação e, claramente, não podes doar o que não tens ou está enfraquecido;
. Rodeia-te de beleza e de vida: aqui tu saberás o que mais te inspira. A natureza e pessoas vibrantes, generosas e com pinga de loucura estão no meu top;
. Está ciente de que se já deste conscientemente um click, ele foi apenas o primeiro de muitos. Possivelmente, o mais fulminante, mas não necessariamente o mais (r)evolucionário da tua vida. Então sim, mais mortes e desapegos virão, mais travessias no desertos certamente também, mas que possas dar cada vez mais espaço ao deleite nos férteis oásis que sempre se seguem.

 

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Fotografia por: Isabel Gonçalves - Commemorare | Juliana Mendonça Santos

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